O LADRAR DO MERDOCK

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(em cima)


Não se assustem com o ladrar do Merdock.
Ele só embirra com polícias, guardas fiscais,
guardas republicanos e outras fardas!...



sábado, 30 de junho de 2007

AS INFLUÊNCIAS DO MERDOCK

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Ressalvando qualquer comparação abusiva, é curioso notar que, como disse publicamente o Professor da Universidade do Algarve, Vilhena Mesquita, a manifestação em favor do Merdock “foi a primeira não autorizada e não reprimida pela Polícia”.
Talvez por ser a primeira, não foi reprimida - digo eu.
Estávamos em 1954, em Faro.
Na verdade, algum tempo depois dessa inesquecível manifestação exigindo LIBERDADE para o Merdock (uma palavra proibida de pronunciar e muito menos de ostentar em cartazes), o ditador da nação escrevia o seguinte:

Nos últimos tempos, a polícia tem manifestado a sua grande preocupação acerca da captação muito intensa de estudantes para as organizações comunistas. Rapazes e raparigas das melhores famílias, tanto de bens como de formação moral, aparecem enredados nessas organizações”.

......Carta de Salazar a Craveiro Lopes em 20 de Dezembro de 1955.

As Associações de Estudantes, desse tempo (e convém aqui salvaguardar que elas eram do âmbito das Universidades, não dos Liceus), começaram a preocupar-se com os problemas sociais e económicos, a assistência médica, o alojamento e o futuro emprego, dos estudantes.
Os movimentos MUD juvenil, JUC, JUCF e CADC, preocupavam-se também com a cultura e promoviam o chamado "Turismo Universitário" que levava os estudantes ao estrangeiro, abrindo-os assim, para realidades inexistentes em Portugal. De tudo isto resultou "A crise estudantil de 56/57" e, na sequência "A crise de 1962". E (convém lembrar), muitos daqueles que em Faro apoiaram o Merdock, eram estudantes universitários, em 56/57.

Os pressupostos que levaram a essa crise de 1962, eram basicamente os mesmos que presidiam às reivindicações em Bekerley, nos Estados unidos, em 1961 e que acabaram por transformar-se num poderoso e imparável movimento cívico que conduziu à retirada e à derrota desse país, na guerra do Vietnam. O Maio de 68, como se sabe, também começou por ser um movimento de contestação de estudantes de Paris.

terça-feira, 26 de junho de 2007

EQUIPA DE BASQUETEBOL

De pé ( da esq.ª para a dir.ª) : Frederico (capitão), Samuel, Gomes, Pedro e Zurrapa.
Em baixo : Justiniano, Abreu, Rocha Pinto e Graça.
Estes moços deveriam andar no 2º ou 3º ano do Liceu e certamente conheceram o Merdock, pois a fotografia é de 58/59.
Foi-nos gentilmente enviada por Justiniano Gusmão Martins.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

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Na página anterior fizemos referência à malfadada licença de isqueiro e ao famigerado bilhete de gare.
Em relação a este último, cumpre dizer que a obrigatoriedade de comprá-lo para entrar numa gare, para qualquer um se despedir dum amigo ou ajudá-lo a levar as malas, teve repercussões directas relacionadas com o Merdock.
Quando o Vidal, o mentor e melhor amigo do cachorro, rumou a outras paragens para prosseguir os estudos, uma multidão de estudantes do Liceu (e também da Escola!), foi despedir-se dele à estação. E isso deveu-se ao facto de ter sido o Vidal o principal responsável pela manifestação que saiu do Liceu exigindo LIBERDADE para o Merdock. Ninguém esqueceu essa jornada gloriosa em que os moços estudantes afrontaram a autoridade do próprio Estado.
Quando chegaram à estação, romperam pela gare adentro sem adquirir bilhete. Gerou-se grande confusão e alarido, com os funcionários da C.P. a exigir o bilhete e os alunos a gritar eférriás e a apupar os ditos. Ninguém obedeceu. O espírito que presidira à manifestação, prevaleceu. Nada já era do que fora. Nem nestas, nem noutras situações. Os jovens davam um grande passo em frente, em matéria de consciencialização e respectiva contestação aos ditames do Estado Novo. E, como disse Lina Vedes na sua excelente anterior postagem:

VALEU-LHES AS FUGAS ÀS REGRAS!!!!
TODOS OS RAPAZES E RAPARIGAS EXPOSTOS A ESTA EXPERIÊNCIA SAÍRAM
BOAS PESSOAS

sexta-feira, 22 de junho de 2007

A LICENÇA DE ISQUEIRO

Este blog tem procurado situar uma época, descrevendo-a e caracterizando-a através de depoimentos, crónicas, documentos e fotografias. Até agora, procurámos, no enquadramento socio-político da época, mostrar a realidade estudantil e as leis e regras que o fascismo impunha.
Nesta 1ª postagem dedicada ao assunto, referiremos duas aberrações que se praticavam na época: a licença de isqueiro e o bilhete de gare! Quer isto dizer que era preciso pagar bilhete para pôr os pés na gare, duma qualquer estação da C.P! Infelizmente não possuímos nenhum exemplar deste último, mas era idêntico ao comum bilhete de comboio.
Na licença de isqueiro (como era popularmente conhecida), pode ler-se "licença para acendedores e isqueiros". E isto significava que, mesmo um qualquer camponês que usasse uma pederneira e um bugalho para acender fosse o que fosse, tinha de ter uma licença... ou sujeitava-se a ser multado!

sexta-feira, 15 de junho de 2007

















REGRAS GERAIS DO LICEU (Década de 50)

1. Entrar no Liceu antes do 1º toque da manhã –
....os atrasados ficam na rua.
...“O Sr. Sortibão fecha o portão”

2. Ao soar o toque, calmamente, ir para as salas de aula.
Não correr nem gritar nos corredores.

3. Esperar a chegada do professor sentados e calados.
3.a) Não circular nos corredores durante os intervalos.

4. Respeitar todos os senhores professores e contínuos.

5. Pagar as “línguas de sogra” ao Coelhinho.

6. Não ver as fotografias do Coelhinho em fato de banho,
a mostrar os músculos.


REGRAS DOS RAPAZES

1. Não fumar nos recreios

2. Não perseguir nem olhar para as raparigas

3. Não espreitar as raparigas a brincar no recreio (pelos buraquinhos)

4. Não subir a corda do ginásio para espreitar para o outro lado do pano


REGRAS DOS RAPARIGAS

5. Usar bata branca com as fitas correspondentes

6. Usar as meias esticadas até ao joelho

7. Nunca olhar nem andar com rapazes

8. Não subir a avenida com rapazes numa área de (?) m2

9. No ginásio, não espreitar para o outro lado do pano divisório


ANO 2006

BALANÇO FINAL
Todos os rapazes e raparigas expostos a esta experiência sairam
BOAS PESSOAS
VALEU-LHES AS FUGAS ÀS REGRAS!!!!
Obrigada pela atenção

LINA

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Uma ida ao Reitor na ERA Merdockiana

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Andava no 3º, com 14 anos de idade, em 1954.
Dia de chuva, mas primaveril.
À hora da saída para o almoço o átrio do liceu fervia de «malta». Era altura única e fantástica para reunir moços e moças. Olhares trocados, acenos, aproximações à distância… (o reitor rondava não fosse o diabo tecê-las).
Já fui para casa, almoçar, tardiamente. Tínhamos pouco tempo de almoço para, descer a avenida, almoçar e regressar ao liceu.
Eu morava no Largo da Palmeira e levava, num passo normal, 20 minutos até ao liceu, embora de manhã o percurso fosse feito em 5 : acordar, «tirar a ramela», vestir, comer, arrumar a mala, não era possível em menos tempo.
A hora do almoço era apertada mas dava para subir a avenida com alguma tranquilidade.
Nesse dia o tempo estava curto e a chuva continuava a cair. Só havia uma sombrinha para mim e meu irmão.
Normalmente, saíamos juntos de casa, mas à Pontinha, cada um seguia a sua vida. Com uma só sombrinha, fomos juntos mais tempo. A meio da avenida o meu irmão quis ir para o lado dos rapazes, mas eu agarrei-o e disse:
-Não. Vamos juntos.
Ele ainda protestou, mas era uma experiência única, irmos para o Liceu um ao lado do outro.
Não sei porque tomei tal atitude… Seria a experiência, seria um desafio às regras ou uma revolta instintiva? Não sei. Apeteceu-me.
Fomos agarrados, de braço dado, a sombrinha já fechada porque tinha deixado de chover. Entrámos no portão ainda juntos. Separámo-nos na escadaria e cada um entrou no átrio por porta diferente.
Mal entro, o sr. Reitor a travar-me:
- A menina não sabe que é proibido vir para o liceu acompanhada?
Perdi a cor e a seguir corei. A boca secou-se e a voz fugiu. Quando quis justificar-me era tarde.
- Senhor Sortibão, leve a menina à reitoria e ela que espere lá por mim.
Lá segui atrás do sr. Sortibão (um contínuo) com o medo a sobrepor-se a todos os sentimentos.
Ele lá tentou animar-me.
- A menina diga que é seu irmão…
Fiquei na reitoria com a porta fechada, pouca luz, numa semi penumbra. Nem os olhos levantei do chão, não fosse o reitor aparecer e «apanhar-me» a olhar para o mundo dele.
Demorou um tempo incrível.
Quando surgiu à porta vinha mais tranquilo (talvez já soubesse que eu vinha com o meu irmão).
- Como se chama e de que turma é? (o ano tinha-o estampado na cor da fita, na bata)
Foi às pautas ver as notas.
- Bem, vá para a sala de aula e não venha para o liceu com o seu irmão.
Safei-me.
Quando cheguei a casa contei à família e o curioso…

A minha mãe apoiou a atitude do reitor.
O meu irmão gozou-me porque a ele, o reitor nada disse.

Eu, limitei-me a concluir:
- O meu irmão pode andar comigo. Eu, é que não posso andar com ele...
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LINA VEDES

sexta-feira, 8 de junho de 2007

6º ANO DE 1962 - LICEU DE FARO


................................................................ Clique para aumentar
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É bom de crer que alguns destes antigos alunos já se encontrassem a estudar no Liceu, no 1º ou 2º ano, nos tempos de Merdock, e que venham a encontrar-se no Almoço de Confraternização, a realizar em Outubro.
As fotografias dizem respeito à récita anual, dos alunos do 6º ano, de 1962, e foi gentilmente enviada por Conceição Silva.
Alguém os reconhece ou se reconhece na fotografias?
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domingo, 3 de junho de 2007

MAJOR MELO ANTUNES

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Nos tempos do Merdock (década de 50), os portugueses viviam uma época de grande constrangimento e proibições de toda a ordem: políticas, sociais, económicas. Eram negados todos os direitos de associação, opinião, expressão e manifestação. Um ajuntamento de mais de três indivíduos (sem o consentimento das autoridades: Ministério do Interior, PIDE, Polícia, Governo Civil), na via pública, podia ser considerado subversivo e conspiratório, contra o Estado Novo. Mas mesmo assim, enfrentando essa implacável autoridade do Estado, uma centena de alunos gritou LIBERDADE (um palavra proibida, nesse tempo), pelas ruas de Faro, para resgatar o cão Merdock.
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....O PODER MOBILIZADOR DO MERDOCK
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..............DEPOIMENTO

Encontrava o Ernesto diariamente no Liceu de Faro e, por vezes, numa tertúlia em casa da Maria Célia, amiga comum, também estudante.
Algum tempo após Abril de 74, voltei a encontrar aquele bom amigo na antecâmara da sala de reuniões da Assembleia do Movimento das Forças Armadas. O Ernesto era então, vulgarmente, conhecido por Major Melo Antunes.
Falando sobre o tempo passado no liceu, e lembrando-se do meu protagonismo na libertação do Merdock, colocou-me uma questão que, no momento, relacionei com os seus ideais:
"Como conseguiram vocês, em 54, uma tal mobilização estudantil? "
Recordo, ainda, o que respondi sem hesitar:
"Para algo acontecer, é sempre necessário haver motivação. Naquele dia 18 de Fevereiro de 1954, a nossa causa mobilizadora foi tentar a recuperação do Merdock."
Meio século volvido sobre aquela inesquecível manifestação, descrita como genuína e entusiástica por vários periódicos, ocorreu no auditório da Biblioteca Municipal de Faro, uma cerimónia pública de apresentação do livro de Vieira Calado, narrando a saga de um cão, amigo dos estudantes, sob o título, Merdock, um cão em Faro, anos 50.
Na presença de muitos ex-alunos e alunas do liceu, um distinto professor universitário, então palestrante, afirmou que, indubitavelmente, aquela tinha sido a primeira manifestação estudantil mobilizada e não aniquilada pelas forças da ordem.
Atitude, quiçá, inspiradora de jovens, como o Ernesto que, embora observador distante mas atento do que acontecia no seu liceu, viria a ser protagonista, como ideólogo, de outro movimento a nível nacional, ocorrido vinte anos mais tarde.
O efeito colectivo daquele poder mobilizador poderá ter sido útil para essas e outras causas mais relevantes.

Vidal Moreira

Merdock era um cão singular
e deu origem, em Faro,
a uma extraordinária
manifestação de solidariedade
que culminou na sua libertação.
Aqui se relembram
os factos e as personagens
envolvidas.
Veja também o meu blog de poesia