O LADRAR DO MERDOCK

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(em cima)


Não se assustem com o ladrar do Merdock.
Ele só embirra com polícias, guardas fiscais,
guardas republicanos e outras fardas!...



segunda-feira, 11 de junho de 2007

Uma ida ao Reitor na ERA Merdockiana

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Andava no 3º, com 14 anos de idade, em 1954.
Dia de chuva, mas primaveril.
À hora da saída para o almoço o átrio do liceu fervia de «malta». Era altura única e fantástica para reunir moços e moças. Olhares trocados, acenos, aproximações à distância… (o reitor rondava não fosse o diabo tecê-las).
Já fui para casa, almoçar, tardiamente. Tínhamos pouco tempo de almoço para, descer a avenida, almoçar e regressar ao liceu.
Eu morava no Largo da Palmeira e levava, num passo normal, 20 minutos até ao liceu, embora de manhã o percurso fosse feito em 5 : acordar, «tirar a ramela», vestir, comer, arrumar a mala, não era possível em menos tempo.
A hora do almoço era apertada mas dava para subir a avenida com alguma tranquilidade.
Nesse dia o tempo estava curto e a chuva continuava a cair. Só havia uma sombrinha para mim e meu irmão.
Normalmente, saíamos juntos de casa, mas à Pontinha, cada um seguia a sua vida. Com uma só sombrinha, fomos juntos mais tempo. A meio da avenida o meu irmão quis ir para o lado dos rapazes, mas eu agarrei-o e disse:
-Não. Vamos juntos.
Ele ainda protestou, mas era uma experiência única, irmos para o Liceu um ao lado do outro.
Não sei porque tomei tal atitude… Seria a experiência, seria um desafio às regras ou uma revolta instintiva? Não sei. Apeteceu-me.
Fomos agarrados, de braço dado, a sombrinha já fechada porque tinha deixado de chover. Entrámos no portão ainda juntos. Separámo-nos na escadaria e cada um entrou no átrio por porta diferente.
Mal entro, o sr. Reitor a travar-me:
- A menina não sabe que é proibido vir para o liceu acompanhada?
Perdi a cor e a seguir corei. A boca secou-se e a voz fugiu. Quando quis justificar-me era tarde.
- Senhor Sortibão, leve a menina à reitoria e ela que espere lá por mim.
Lá segui atrás do sr. Sortibão (um contínuo) com o medo a sobrepor-se a todos os sentimentos.
Ele lá tentou animar-me.
- A menina diga que é seu irmão…
Fiquei na reitoria com a porta fechada, pouca luz, numa semi penumbra. Nem os olhos levantei do chão, não fosse o reitor aparecer e «apanhar-me» a olhar para o mundo dele.
Demorou um tempo incrível.
Quando surgiu à porta vinha mais tranquilo (talvez já soubesse que eu vinha com o meu irmão).
- Como se chama e de que turma é? (o ano tinha-o estampado na cor da fita, na bata)
Foi às pautas ver as notas.
- Bem, vá para a sala de aula e não venha para o liceu com o seu irmão.
Safei-me.
Quando cheguei a casa contei à família e o curioso…

A minha mãe apoiou a atitude do reitor.
O meu irmão gozou-me porque a ele, o reitor nada disse.

Eu, limitei-me a concluir:
- O meu irmão pode andar comigo. Eu, é que não posso andar com ele...
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LINA VEDES

12 comentários:

greentea disse...

tempos da outra senhora...num certo ano tive de passar por uma escola feminina , a única felizente...
Havia uma aluna que apesar dos seus dezoito anos já era casada e continuou a estudar; o marido levou-a até à porta de entrada e despediram-se com um beijo normalissimo. Pois foi chamada à Directora e teve um dia de suspensão por beijar ...o marido !!

Educadora Paula Vedes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Educadora Paula Vedes disse...

Bolas!
Esses eram mesmo tempos "merdockianos"!
O nome do cão está adequado à época!
Se o reitor soubesse onde conseguem espreitar as suas castas díscipulas através da net...
Coitado! Não imaginava ele, nesse tempo, a volta que a mentalidade iria dar! Nem elas!...
Parabéns pelo artigo, mãe e principalmente pela coragem de se jogar a estas modernices!!!!

Anónimo disse...

Descrição pungente de factos que eu também vivi e presenciei. As regras
existiam. A forma como eram aplicadas
por "alguns", era discricionária e por vezes abominável. Muito pequenos ditadores, tentando imitar o "mestre"

vieira calado disse...

Obrigado Lina, pelo seu testemunho.
Um abraço.

Van Dog disse...

Que divertido (agora...)! E tudo isto aconteceu há pouco mais de 50 anos...

Anónimo disse...

Se gostei, Lina!
Pelo assunto, que me fez relembrar uma experiência, um tanto parecida, meia dúzia de anos antes e com o mesmo safado reitor, mas especialmente pela maneira como descreves o que a tua memória tão bem guardou.
Um naquinho de prosa muito bem escrita. A tua filhota já evidenciou o orgulho que sentiu e a que eu me associo apesar de prima só por afinidade.
Continua a escrever, garota, e a blogar para a gente ir disfrutando.

Anónimo disse...

Felizmente há colegas cuja memória não deixa apagar as pilantrices de certos senhores que se julgavam
donos da verdade e do mau sistema educacional a que estavamos sujeitos.

Anónimo disse...

Bem hajam por, decorridos mais de 50 anos, terem a coragem de denunciar a
arbitrariedade e a prepotência de certos tiranetes, que se arrogavam de
educadores.

Anónimo disse...

Lina, o atrevimento correu-te melhor do que a mim.
Por essa época, no Liceu de Portimão, apanhei eu 2 (dois) dias de suspensão por ter entrado alguns metros num corredor exclusivo para raparigas e ter sido apanhado - pelo "pato-marreco" (contínuo) - a falar com a minha irmã.

Anónimo disse...

Muito bem, minha querida prima!
Claro que gostei muito deste "nacozinho de prosa" como diz a sua outra prima, por afinidade como eu mas com muito gosto. J� me tinhas contado esta hist�ria e j� a contei a muitos jovens. � que conv�m lembrar esses tempos! A mem�ria � curta, o tempo roda e n�o v� o diabo tec�-las!
Ouso desafiar a minha querida prima para fazer blog.Gostei muito do post, li os coment�rios e acho que deve continuar.
For�a, Lina!
Deixo-te beijinhos. A ti e � Ana!

vieira calado disse...

Pois amigas, entrem nessa dum blog. Vão ver como passam o tempo e se divertem salutarmente.

Merdock era um cão singular
e deu origem, em Faro,
a uma extraordinária
manifestação de solidariedade
que culminou na sua libertação.
Aqui se relembram
os factos e as personagens
envolvidas.
Veja também o meu blog de poesia