O LADRAR DO MERDOCK

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(em cima)


Não se assustem com o ladrar do Merdock.
Ele só embirra com polícias, guardas fiscais,
guardas republicanos e outras fardas!...



quarta-feira, 24 de março de 2010

DEPOIMENTO (2)

Sensibilizado pela abordagem que tem sido feita à Saga do Merdock, vou tentar, por este meio, contribuir com a minha avaliação da atitude do grupo estudantil do qual eu, então, fazia parte.
No ano lectivo de 1953/54, o ambiente no interior do Liceu de Faro era de clausura e de austeridade mas, no exterior o clima, a luminosidade do céu, a paisagem, as flores emanavam vitalidade e convidavam a viver alegremente.
Afinal, estávamos no Algarve onde a natureza envolvente e as pessoas irradiam essa reconhecida forma de estar.
Traduz-se num constante apelo à liberdade, ao qual os jovens sempre foram sensíveis, sem confundir com a irreverência ou a libertinagem que, infelizmente, hoje abunda por aí.
Curiosamente, no liceu e nessa época remota, entre outros saberes também ensinavam a marcar passo, o canto e o coral, o amor ao próximo e o respeito pelos valores de cidadania.
Penso que, para além do português e da filosofia, da física ou da matemática, os alunos e alunas do liceu acompanhados por outros jovens da cidade, que aderiram entusiasticamente ao cortejo que descia a avenida cidade adentro, naquele dia, utilizaram os saberes apropriados à libertação de um simples rafeiro que se revelara ser amigo dos estudantes.
Corajosamente marcharam pela avenida e demais ruas da cidade até ao município, cantaram e gritaram pela liberdade do amigo, revelaram amor por aquele que nunca lhes negou um abanar de cauda, conseguiram legitimar a existência de um ser vivo aprisionado.
Este foi o gesto assumido por muitos jovens, aplaudido por muitos cidadãos que também ansiavam por alguma liberdade e observado por outros que, sem ousar manifestar-se,temiam pela perda de estatuto ou de privilégios adquiridos.
A imprensa cuidou de relevar a atitude estudantil.
A autoridade estabelecida tentou perceber o que se estava a passar.
Na minha opinião, este terá sido um grito de alerta para a liberdade, em nome do Merdock, que concedeu naquele tempo aos estudantes mais regozijo do que, então, poderia ser imaginado pelos seus tutores.
.
V. A.

domingo, 7 de março de 2010

Os Ritmos da Paixão

A saga do Merdock foi um repositório de cenas variadas, muitas delas inesquecíveis.

Como é sabido, e hoje mais do que naqueles tempos, até um cão é obrigado a cumprir certas obrigações para com a lei (e ombrear com as custas ... ).

Para libertar o Merdock era necessário pagar uma multa, obter uma licença para usar coleira, ter a respectiva chapa de identificação (uma espécie de cartão de identidade) e ser vacinado.
Relato apenas esta última circunstância (sem grandes preocupações de estilo).

Foi em frente do antigo Matadouro, hoje Biblioteca Municipal, que o veterinário ministrou
as vacinas ao cachorro.

Num ápice, o homem viu-se rodeado por mais duma centena de liceais mais ou menos esgrouviados, mas ébrios de plenitude, ante a aproximação do momento tão desejado,
muitos deles vestindo capa e batina.

Fizeram espaço para uma roda e acotovelavam-se para assistir ao acto que permitiria o acesso
à plena cidadania e liberdade do nosso herói. No fim desse acto quase litúrgico, um dos responsáveis pela manifestação, perguntou quanto era.

Aí, o veterinário, a voz embargada ao olhar aquela pequena multidão frenética de briosos estudantes, disse que não era nada.

Que também já fora jovem... usara capa e batina... estudara em Coimbra...

De imediato soou um arrebatado éférrriá a vitoriar o veterinário e a sua afectuosa e desinteressada colaboração.



E então não é que o homem chorou, lavado em lágrimas... como uma madalena!...

E como haveria eu de ignorar a frágil representação da inocência,
o puro êxtase dos ritmos da paixão?
Merdock era um cão singular
e deu origem, em Faro,
a uma extraordinária
manifestação de solidariedade
que culminou na sua libertação.
Aqui se relembram
os factos e as personagens
envolvidas.
Veja também o meu blog de poesia