O LADRAR DO MERDOCK

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(em cima)


Não se assustem com o ladrar do Merdock.
Ele só embirra com polícias, guardas fiscais,
guardas republicanos e outras fardas!...



sexta-feira, 11 de maio de 2007

AS ORIGENS DO MERDOCK (2)

Conclue a postagem anterior

Chegara à cidade, quase sem o saber, apenas na ânsia de desvendar um caminho novo, por onde nunca fora; e com que nunca ao menos ousara sonhar. Entrara no desconhecido. E pensou, de tudo quanto via, que talvez aí viesse a ter uma vida mais desenfastiante do que a que sabia lhe estar destinada, no monte onde nascera. A velha mãe mostrava-se cansada, seria ele a tomar o seu lugar, quando ela não prestasse para nada.
Não é que se sentisse subalternizado, ou menosprezado. Sentia-lhe ainda o mesmo afecto, de quando o despertara as primeiras realidades da vida. Mas antevia um futuro igual ao dela, sem mistério e sem glória, sempre igual, pelos dias e pelas noites.
A única coisa que sempre o transcendia em alegria e emoção, eram os dias caça. Aí sentia a plenitude da existência, uma razão forte para a vida, um inexcedível júbilo.
Mas, infelizmente, esses dias de euforia e alvoroço eram poucos, cada vez mais raros, à medida que o patrão, ele próprio, caminhava também, como a mãe, para a decrepitude.
Por isso se aventurara a ver se via como seriam outros lugares e outras gentes, porventura outras balbúrdias ainda mais avassaladoras do que os dias de caça, com a mãe e o dono, por montes e vales.
No entanto, às portas da cidade, pensou que não teria condições para ficar por ali. De resto, não conhecia ninguém e, na verdade, dos que por ali andavam, nenhum lhe prestou a mínima atenção.
Ia voltar para trás, pelo mesmo caminho por onde viera, quando, de repente, começou a ouvir qualquer coisa, uns sons que nunca tinha ouvido, vindos duma rua lateral. Instintivamente dobrou a esquina e deu com um rapaz a esfregar os beiços por uma espécie de tubo, donde pareciam sair aqueles sons. Sentiu-se maravilhado. Tudo quanto até ali ouvira, eram os assobios do vento, o estrepitar das águas pela levada que vinha do tanque, o rumorejar das árvores, o cacarejar monótono das galinhas ou de algum pintassilgo trinando no silvedo, ou nas romãzeiras.
O rapaz tocava uma música dolente, eivada de entoações profundas, com requebros de emoção e afecto. Era um fado do Carlos Ramos, muito em voga, nesses tempos:

...
Não venhas tarde
...diz-me ela com carinho

Sentiu-se quase entristecer, o coração a bater de emoção. Mas também sentia os olhos a se revigorarem de alvoroço e agitação. Como era diferente, a vida, naqueles lugares!
Foi então que o rapaz se pôs a soprar uns sons muito diferentes, joviais, prazenteiros, que lhe davam vontade de os repetir com ele, e com ele comungar da mesma alegria.

...
Cantiga da rua
...nem minha nem tua
...não é de ninguém…

As dúvidas dissiparam-se-lhe.
Talvez assim, pudesse alcançar os pássaros e voar com eles, pelos céus.

Decidiu ficar.

11 comentários:

A Sonhadora disse...

Olá boa noite!!!
Como sempre muito interessante passar por aqui...
Uma beijoca da sonhadora e espero que tenhas um bom fim de semana

Anónimo disse...

Ainda bem que Vieira Calado assumiu
esta narrativa.Pelo conhecimento dos factos e sua virtuosidade, a estória
da saga do Merdock ultrapassa a minha
expectativa inicial. Bem haja.

Van Dog disse...

Realmente as histórias protagonizadas por cães têm outro interesse... ;)

Fátima Santos disse...

agora é que a história do canito está aser narrda na sua plenitude narrativa! E torna-a mais pungente a ilustração que a acompanha decorada ao gosto floreado tão ao jeito da época em que o bicho se passeava pela avenida do liceu na capital do Algarve! Belo!

Isamar disse...

Dei hoje pela tua existência.E gostei do encontro.
Beijos

éf disse...

Tou a ler isto ao meu Bobi. Não deu muita atenção ao primeiro capítulo, mas agora já se senta para ouvir.

;)

Anónimo disse...

As histórias aos quadradinhos são exactamente para isso; para quem custa a ler.
Não seria o caso Merdock, que fez uma instrução bem feita (ao contrário do que acontece - parece - nos dias de hoje), e mais tarde se matriculou no Liceu!

Jorge (antigo aluno)

Anónimo disse...

Estou grato Vieira Calado pela sua estória sobre Merdock. Qualquer ser
vivo fica enternecido por conhecer
esta relação vivida entre jóvens e
outros seres carentes de afecto...

Marta Vinhais disse...

Obrigada pela visita ao Minha Página.
Espero que volte.
Beijos e abraços
Marta

Anónimo disse...

:)
o k é k meteste na veia?

Anónimo disse...

voar foi sempre o sonho do homem.
Pelos vistos, também de certos animais inteligentes
Um abraço.

João

Merdock era um cão singular
e deu origem, em Faro,
a uma extraordinária
manifestação de solidariedade
que culminou na sua libertação.
Aqui se relembram
os factos e as personagens
envolvidas.
Veja também o meu blog de poesia