O LADRAR DO MERDOCK

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(em cima)


Não se assustem com o ladrar do Merdock.
Ele só embirra com polícias, guardas fiscais,
guardas republicanos e outras fardas!...



domingo, 23 de março de 2008

MÉTODOS PEDAGÓGICOS 3

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Uma Professora de Liceu (anos 50)


Como veio esta professora solteirona e já velha, parar ao Liceu Nacional de Faro?!
Apareceu, ficou efectiva e atribuíram-lhe o 2º ciclo das turmas femininas, com duas disciplinas – Francês e Português.
A entrada na sala de aula, no dia de estreia, avivou logo o nosso espírito crítico, mais instintivo que científico.
Após o 2º toque, enfiou pela sala, toda desengonçada, de perna aberta, parecendo mancar, apressada em direcção à secretária. Ao subir o estrado, quase tropeçou, e todo o tronco volumoso, estremeceu.
O peito e barriga formavam um bloco, sem cintura, mais parecendo uma montanha dividida pelo cós da saia.
A roupa usada revelava, pouca preocupação com o visual, cores discordantes, corte feito em casa, mais parecendo um “espantalho” vestido. Trazia uma malinha de mão com asa curta, e conforme andava a mala baloiçava para cá e para lá, ao ritmo da dona.
Não se sentou, jogou-se para a cadeira, arfando pelo esforço realizado.
Após um espaço, relativamente curto, que nos proporcionou uma observação mais atenta, diz:
- Sumário: Apresentação.
Saca da mala, abre-a, coloca-a em cima da secretária, pega no livro de ponto, tira dois pares de óculos, põe uns e começa a escrever… Acabada a tarefa, tira os óculos, coloca outros, levanta-se, apresenta-se e esclarece-nos sobre o programa de Francês.
Para ser simpática, convida-nos a dizer nomes portugueses, que ela diria, em francês. Surgiram imensos, como lápis, cabeça, caderno… até que, a Celma, a mais pequenita da sala, que vinha diariamente de Olhão, se levanta e diz:
- A propósito, como se diz pescoço em francês?
Foi como um raio a cair na sala de aula.
A professora dá um salto, toda trémula, agarra-se à Celma, aperta-a, sacode-a e grita desesperada, lançando chuveiro de cuspo para todos os lados:
- Vejam lá a maldade que está contida neste corpinho. Grande malandra, não tens vergonha?
Fez-se silêncio, toda a sala parada, a observar…
A aluna visada, branca como a cal…
Finalmente, a professora larga-a, vai para a secretária e senta-se com os braços caídos, ao longo do corpo.
Ficámos na expectativa e observantes!!!!!!!!!!
A cara, nada tinha de harmonioso, a boca enorme, de lábios finos, ao abri-la, mostrava toda a dentadura rala e saída para a frente. O queixo pegava com o pescoço, formando um papo que caía sobre peito, agora vermelho de excitação, revelando grandes veias azuis. Os olhos claros, que até deveriam ter sido bonitos, acumulavam, à volta, rugas da idade. A barba e o bigode, com aspecto descuidado por falta de esmero na depilação, mostravam pêlos soltos, uns grandes e outros pequenos, espetados. O cabelo, com pintura e permanente de caracóis pequeninos, feitos há algum tempo, apresentava-se encrespado e russo.
Tirámos, de imediato, o perfil de professora que nos tinha caído em sorte.
Daí em diante, não lhe demos mais tréguas. Aos poucos, fomos ganhando espaço, dominando a situação, abusando da sua fragilidade, numa caricatura, construída sobre o exagero das exigências comportamentais, das outras aulas.
Pobre dela, que sofreu situações incríveis, nas mãos de adolescentes insensíveis aos sentimentos, que viviam unicamente, à procura de diversão e protagonismo.
O ritmo de trabalho da professora, durante o tempo lectivo, era sempre o mesmo. Chegar, escrever no livro de ponto o sumário, verificar as faltas, dar matéria e fazer chamadas.
Escrevia no quadro a matéria dada, para nós copiarmos no caderno diário e a seguir iniciava, com o interrogatório, a duas ou três alunas, colocando-as, à sua volta, junto da secretária.
Este esquema facilitava as nossas brincadeiras. Enquanto a professora escrevia no quadro, valia tudo, desde jogar à batalha naval, às 5 pedrinhas (feitas com saquinhos cheios de arroz), a ir junto da secretária molhar a caneta (não existiam esferográficas), num desfile contínuo com roupas trocadas, sapatos ao contrário, passos de dança…
No tempo atribuído às chamadas, as “sacrificadas”, junto da professora, isolavam-na, por completo, do resto da turma.
Quando, o barulho ultrapassava, todos os limites, ela afastava as alunas, dava uma espreitadela, fazia-se um pouco de silêncio, e tudo regressava ao mesmo.
Pouco se aprendia nestas aulas e os interrogatórios levavam, aos chamados “esticanços”.
As alunas postas à prova, tanto a francês como português, levavam o livro, liam um pouco do texto, sujeitavam-se a perguntas de interpretação e a questões gramaticais.
Havia sempre, duas ou três colegas, que dominavam as matérias e se posicionavam, nas carteiras da frente, “bufando” as respostas. Como a professora era surda, não se apercebia, ou não se preocupava, porque a avaliação não era baseada nos conhecimentos, mas sim no comportamento.
Aluna considerada por ela, irrequieta, faladora ou abusadora, não tinha salvação. A classificação variava do Muito bom, Bom, Suficiente, Sofrível, Medíocre ao Mau e assim se recebiam as notas, consoante o grau de simpatia.
Todas as semanas tínhamos exercícios escritos e todos eles vinham com classificação idêntica.
Cheguei a entregar um exercício meu, com o nome da melhor aluna, no cabeçalho, e ser classificado com Bom. Ao verificar o engano, no acto da entrega, riscar e escrever, o fatídico Mau.
Uma outra vez, uma amiga de Bom, passou-me as perguntas, que copiei na íntegra. Como resultado final, surgiu Mau no meu e Bom no dela.
O barulho e desorganização, ultrapassavam os limites. Num dia de desorientação, levanta-se, coloca-se no meio do estrado, de pernas abertas, braços no ar e grita completamente perdida:
- Estou farta de fazer chô… chô…chô… e vocês não se calam!!!!!!!!!!!!!
Foi uma risada colectiva, sem fim. Nunca mais caiu em repetir, tal desabafo!

Lina Vedes – 18 de Fevereiro de 2008

Nota: - CARICATURA do PASSADO – professor de “poder absoluto”

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Para um futuro de qualidade, há 4 componentes essenciais.

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PAIS
– responsáveis, que transmitam aos filhos princípios de valores humanos, vontade de lutar e vencer na vida e que respeitem e dignifiquem os educadores (socialização e humanização)
PROFESSORES – empenhados, dignificados, justos, respeitados, trabalhando com alegria
ALUNOS – acima de tudo interessados e conscientes do papel da ESCOLA na sua formação integral
EDIFÍCIO escolar – com condições, organizado e atractivo


Para que a escola seja o nosso Futuro, tem de haver uma plataforma de entendimento baseada na cedência construtiva, desligada de interesses pessoais ou partidários (com o Ministério).

Lina Vedes – 14 de Março de 2008

7 comentários:

Gata Verde disse...

Cada vez mais,tenho pena de quem é professor.
Felizmente ainda existem corajosos!

Beijocas

Alexandre disse...

A educação - ou a falta de aposta na educação - foi a maior falha do 25 de Abril - agora teriamos portugueses conscientes, e cultos se se tivesse investido na Educação.

Um abraço!

Outonodesconhecido disse...

Grandes verdades...
A educação e o seu futuro preocupam-me deveras.
Boa semana
http://jasmimdomeuquintal.blogspot.com/ e outono

Teté disse...

Este "retrato" de outras épocas não me é de todo desconhecido...

Fez-me lembrar um professor de liceu que tive, no início dos anos 70, de quem todas (só meninas) tinhamos pavor. O homem era alto e muito magro, careca e leccionava história. Ficou com a alcunha de Careca Megalítico!

Enfim, um dia destes escrevo sobre alguns desses professores, embora na verdade, hoje em dia, tenha alguma compreensão por tudo aquilo que os actuais professores sofrem, às mãos destes alunos, com poucos valores e princípios...

Gostei muito do texto. Obrigada Lina e Vieira Calado! Abraço a ambos!

mdsol disse...

Os tempos são outros...exigem outros recursos...e outras soluções...e professores mais profissionais ..essa sua franciu, tal como a descreve, era uma bruxa ehehehe e ainda por cima incompetente!
Os adolescentes têm de ser tratado sem paternalismos psis qualquer coisa, responsabilizados e se for preciso castigados. As regras têm de ser claras e cumpridas.
Os papás idem idem aspas aspas.
Mas a solução não é simples. Acumularam-se demasiados equívocos. Nem sequer acho que seja falta de investimento...acho que foi mau investimento...e os ditos teóricos das cs da educação têm uma dose grande de culpas no cartório...andam calados que ben ratos!!!

Je Vois La Vie en Vert disse...

Será que os meus alunos olham para mim desta maneira ? Acho que não porque tenho a sorte de ensinar a minha língua a adultos !!! E não tenho vergonha nenhuma a falar do "pescoço" ou do "golpe" e até ensino frases mais populares...e há palavras que podem levar à mã interpretação se forem mal traduzidas como por exemplo "estar constipado" ou "beijar" se forem traduzidas por "être constipé" ou
"baiser". Quem tiver dúvidas, pode fazer-me perguntas, responderei...
Beijinhos verdinhos

Azul Diamante azul disse...

Recordar os velhos tempos.
Ao falar da sua profesora de francês veio-me à ideia um professor também de frânces, já com alguma idade e gorduchinho que tinha uma paixão enorme por Paris, porque lá vivera alguns anos.
Quando ele chamava alguém para uma chamada (avaliação) oral logo a vítima era retirada da situação
por outra jovem colega que começava propositadamente a fazer perguntas sobre Paris. Aí o senhor
esquecia a chamada oral e começava a falar de Paris e com tal emoção, que as lágrimas lhe vinham aos olhos e chorava, chorava. Para nós garotas de 15 anos aquilo era uma maneira de fugir à tal chamada oral.
Mas se por acaso ela acontecia a nota era dada consoante os atributos que mostrava, quanto mais curta a bata mais alta a nota,se desabotoavam os botões no pescoço
para fazer um ligeiro decote aí a nota ainda era mais alta.
Talvez um dia conte a história no meu blog, porque tem mais, nada grave mas tem.

Vou voltar

Merdock era um cão singular
e deu origem, em Faro,
a uma extraordinária
manifestação de solidariedade
que culminou na sua libertação.
Aqui se relembram
os factos e as personagens
envolvidas.
Veja também o meu blog de poesia