O LADRAR DO MERDOCK

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Não se assustem com o ladrar do Merdock.
Ele só embirra com polícias, guardas fiscais,
guardas republicanos e outras fardas!...



sexta-feira, 29 de julho de 2011


Doutor Joaquim Magalhães – récitas do 6ºano
Na década 50, vivíamos um regime sisudo e intolerante que pretendia encaminhar-nos para a OBEDIÊNCIA absoluta e nos obrigava a travar todos os sentimentos de AMOR e atracção sexual.
Para os nossos superiores, professores, pais e até padres, a FELICIDADE não existia, exerciam a autoridade como segredo do poder, numa verdadeira atitude repressiva.
Todos eles eram “donos” do saber e da razão, em todas as circunstâncias, exigindo de nós, submissão. Se não se aceitasse o caminho indicado por eles, seríamos excluídos da sociedade.
Na escola apontavam-nos, como exemplo a seguir, as façanhas de heróis que morreram na defesa da Pátria. As aulas de História ou de Organização Política não focavam o essencial, não eram esclarecedoras e muitos de nós vivíamos no analfabetismo político, julgando-nos os “melhores do mundo” (ensinavam-nos isso) …
O Dr. Joaquim da Rocha Peixoto Magalhães, um algarvio de adopção, professor de Português e Francês, era totalmente compreensivo, sabedor e respeitador da dignidade dos alunos. Não usava violência física nem moral para manter a ordem.
Como pessoa, todo ele era coração, nunca deixando escapar durante as aulas, uma boa poesia, ensaiando-a, permitindo que alunos mais vocacionados a representassem para deleite de todos.
Procurava todas as oportunidades para ler poesia francesa, iluminando o nosso espírito apático, inculto, pouco esclarecido nesse âmbito.
Dedicou, de corpo e alma, todo o seu tempo ao teatro e era com a sua orientação, que cada 6º ano, anualmente, realizava a Récita dos Sextanistas.
Buscava, incansavelmente, novos talentos e pelos Jogos Florais promovidos na altura, pelo Liceu de Faro, impressionou-se com a poesia de António Aleixo “dando-lhe a mão” e compilando toda a sua obra.
Em 1959/60 eu e o Dinarte, namorados, vivemos no Liceu acontecimentos marcantes, eu com o sector feminino e ele com o masculino. Poderei relatar, com precisão, o decorrer da festa do 6º ano, realizada a 28 de Maio de 1960 em cujo programa consta uma nota crítica, interessantíssima, que demonstra já, uma abertura política da parte dos alunos.
- “Este programa não tem ideais políticos”.
Sem a orientação e apoio do incansável professor de Português, a “malta” nunca teria tido a possibilidade de realizar, as festas anuais, que marcavam profundamente o fim da vida liceal e a passagem à prematuridade.
Nesse ano o programa versou “Médico à força” de Molliére, quadros cómicos com sátiras mais ou menos veladas, variedades, com toques de viola e guitarra de José Maria Oliveira e Eduardo Arcanjo e vozes poderosas de Joaquim Rogério e Tabeta.
O desempenho dos actores arrancarou risos a antigos alunos, na assistência, e lágrimas de emoção ao saudoso Dr. Emílio Campos Coroa.
Quase todos os alunos desse 6º ano desempenharam determinado papel, pois era a sua festa. Ao Dinarte, além de outros, coube-lhe a portaria, com a recomendação imperiosa:
- Não entra ninguém sem comprar bilhete (5 paus).
Consciente da responsabilidade, propõe-se respeitar na íntegra as ordens recebidas, barrando a passagem a um indivíduo de chapéu, baixinho, muito discreto e respeitoso, que pretendia o acesso sem prova de pagamento.
Gera-se impasse… entra não entra… quando surge, correndo, um contínuo a quem chamavam “Rabinete” por dançar num rancho folclórico, que esclarece, afogueado:
- É o senhor Governador Civil.
Desculpas apresentadas ficou o cómico da situação…
Após o encerramento do espectáculo a rapaziada, como hábito, preparou-se para uma directa, muitos deles a primeira da vida.
Embrulhados nas capas negras, vozes afinadas, instrumentos musicais preparados, descem a avenida, para as clássicas serenatas às moças mais pretendidas. Iam entrando em tascas, ainda abertas àquela hora, para um apuramento mais requintado da voz, bebendo uns bons copitos…
A algazarra vai subindo o tom, atrai a atenção de um agente da autoridade, dos excessivamente zelosos no desempenho das suas funções, que lhes barra o caminho e se propõe dispersá-los.
Protestos, explicações, pedidos, nada demoveu o cumpridor agente que lhes ordena que o sigam até ao comando. Ordeiramente, uns atrás dos outros (mais de 100) e todos atrás do polícia, encaminham-se para a P.S.P., perto da Alameda.
Ficam na rua, enquanto dois ou três representantes do grupo entram no edifício, para ser elaborado o auto de ocorrência. Após alguns telefonemas, feitos a quem de direito, surge autorização de avançarem com o propósito das serenatas, obedecendo a uma determinada contenção.
Percorreram todas as janelas previamente escolhidas, com pouco sucesso, e avançaram para o imprevisto, indo cantar à porta/janela do Dr. Aleixo da Cunha e do engenheiro José Maria Farrajota Cavaco, da Concil.
Este último, camaradão, abre as portas da casa e oferece à “malta” uma mesa bem composta, proporcionando a recompensa de uma noite, que ficaria para sempre na memória de todos.
A madrugada vem encontrá-los deitados nas ervas, perto da Capela de Santo António do Alto.
São recordações marcantes, que nunca se esquecem e às quais se associam, em todos os sextos anos, que passaram pelo nosso Liceu, em várias décadas, o nome do Dr. Joaquim Magalhães.
Lina Vedes – 11 de Junho de 2008

1 comentário:

Catarina disse...

Encantadoras recordações!
O Dr. Joaquim Magalhães ficará sempre na memória dos alunos que passaram pelo liceu nessa época e em todas as outras que se seguiram até à sua aposentação quando já exercia as suas funções como reitor.
Abraço.

Merdock era um cão singular
e deu origem, em Faro,
a uma extraordinária
manifestação de solidariedade
que culminou na sua libertação.
Aqui se relembram
os factos e as personagens
envolvidas.
Veja também o meu blog de poesia