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A minha rua sempre foi um palco por onde desfilavam todos os eventos – procissões, bandas, estudantinas, as mascarinhas pelo Carnaval, paradas militares a caminho do treino na carreira de tiro, enterros e casamentos a pé…
Também por ela deambulavam as figuras problemáticas da época – o Cuco, o Zézinho dos cães, o menino Xico, o Toquim…e a mulher das bananas.
Morei sempre na mesma rua no número 27, que mudou de nome várias vezes. Era conhecida, no antigamente, pela rua do Peixe Frito, por ter imensas tabernas e o ar difundir cheiro a fritos. A rua afunilava na direcção da doca, não permitindo o escoamento odorífero. Mais tarde, alargaram-na, quando construíram o Hotel Faro e a característica que lhe dava o nome desapareceu com o decorrer dos anos. Mudou para rua Baleizão, a seguir rua A e por fim rua Dtº Oliveira Salazar. Após o 25 de Abril, passou a rua 1º de Maio.
A mulher das bananas fazia lembrar uma personagem de filme de terror…
Era de estatura baixa, para o forte. Pernas curtas, arcadas e cabeludas, pés grandes calçando chinelos sempre descambados, arrastando-os pela calçada num chap…chap ruidoso e inestético. Andava de perna aberta o tronco todo inclinado com o peso da enorme cesta de verga oval e com asa larga.
Um braço enfiado na asa da cesta o outro à cintura procurando o equilíbrio. Bamboleava-se ao andar, com os peitos volumosos, moles, pendurados num tic-tac descompassado. De vez em quando parava para descansar. Então, punha a cesta no chão e ficava de pé, com as pernas abertas, olhando para todos os lados, espreitando os passantes na esperança da venda.
O produto dela era pouco vendável, por isso pouco rentável. As bananas eram pequeníssimas, de casca preta, moles, com aspecto que conduzia ao fracasso de venda.
A procurar hipótese de negócio, juntava às bananas amendoins a que chamava ervilhanas ou alcagoitas. Para a venda delas tinha uma medida e o preço correspondia à quantidade solicitada pelo comprador.
Passava todos os dias, de manhã e à tarde, na minha rua ou a meio dela ou no passeio da frente. Era aí que ela parava. Punha a cesta no chão, abria as pernas, punha a mão em concha perto da boca, para elevar a voz, e berrava o mais que podia com sons estridentes, mais parecendo uma sirene.
Ééé…ééé…sóoooo… cinco tostões… “cadbanana”…
Ervilhana “terrada”…
Repetia o pregão, eriçando ainda mais, o farto bigode que lhe ornamentava o beiço. Descansava e lá seguia caminho.
No seu andar baloiçante, todo o corpo tremia, tapado com uma bata larga, suja e rota. Arfava de cansaço, bufava de raiva e… ai de quem se metesse com ela.
A garotada adorava provocá-la. Bastava gritar-lhe:
- Oi, ti Maria, tem bananas?
Então, a ti Maria, pousava a cesta e daquela boca disforme e desdentada, saiam todos os nomes, de enfiada, numa ladainha de revolta. Sacava de um pau que escondia entre os produtos de venda e corria de um lado para o outro praguejando, enquanto os moçoilos fugiam rindo do espectáculo.
Quando, cansada, parava para respirar, espetava a cabeça coberta de cabelos imundos, lisos e compridos, sem cor definida, de olhos vesgos fixos no além.
Os sons guturais iam abrandando e por fim, lá pegava na cesta e seguia, resmungando, para outras bandas. Mas, ela fixava quem a provocava e, às vezes, vingava-se acertando uma paulada num provocador descuidado.
Não sei qual o fim da Maria das bananas.
Um dia … nunca mais voltou.
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LINA VEDES
(escrito em Junho de 2007, relatando acontecimentos de1945 a 1956)