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Nos tempos do Merdock (década de 50), os portugueses viviam uma época de grande constrangimento e proibições de toda a ordem: políticas, sociais, económicas. Eram negados todos os direitos de associação, opinião, expressão e manifestação. Um ajuntamento de mais de três indivíduos (sem o consentimento das autoridades: Ministério do Interior, PIDE, Polícia, Governo Civil), na via pública, podia ser considerado subversivo e conspiratório, contra o Estado Novo. Mas mesmo assim, enfrentando essa implacável autoridade do Estado, uma centena de alunos gritou LIBERDADE (um palavra proibida, nesse tempo), pelas ruas de Faro, para resgatar o cão Merdock.
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....O PODER MOBILIZADOR DO MERDOCK
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..............DEPOIMENTO
Encontrava o Ernesto diariamente no Liceu de Faro e, por vezes, numa tertúlia em casa da Maria Célia, amiga comum, também estudante.
Algum tempo após Abril de 74, voltei a encontrar aquele bom amigo na antecâmara da sala de reuniões da Assembleia do Movimento das Forças Armadas. O Ernesto era então, vulgarmente, conhecido por Major Melo Antunes.
Falando sobre o tempo passado no liceu, e lembrando-se do meu protagonismo na libertação do Merdock, colocou-me uma questão que, no momento, relacionei com os seus ideais:
"Como conseguiram vocês, em 54, uma tal mobilização estudantil? "
Recordo, ainda, o que respondi sem hesitar:
"Para algo acontecer, é sempre necessário haver motivação. Naquele dia 18 de Fevereiro de 1954, a nossa causa mobilizadora foi tentar a recuperação do Merdock."
Meio século volvido sobre aquela inesquecível manifestação, descrita como genuína e entusiástica por vários periódicos, ocorreu no auditório da Biblioteca Municipal de Faro, uma cerimónia pública de apresentação do livro de Vieira Calado, narrando a saga de um cão, amigo dos estudantes, sob o título, Merdock, um cão em Faro, anos 50.
Na presença de muitos ex-alunos e alunas do liceu, um distinto professor universitário, então palestrante, afirmou que, indubitavelmente, aquela tinha sido a primeira manifestação estudantil mobilizada e não aniquilada pelas forças da ordem.
Atitude, quiçá, inspiradora de jovens, como o Ernesto que, embora observador distante mas atento do que acontecia no seu liceu, viria a ser protagonista, como ideólogo, de outro movimento a nível nacional, ocorrido vinte anos mais tarde.
O efeito colectivo daquele poder mobilizador poderá ter sido útil para essas e outras causas mais relevantes.
Vidal Moreira